sexta-feira, 12 de agosto de 2011

HISTÓRIA SOCIAL DA CRIANÇA E DA FAMÍLIA

Walkiria Assunção

A duração da infância era reduzida a seu período mais frágil, enquanto o filhote do homem ainda não conseguia bastar-se; a criança então, mal adquiria
algum desembaraço físico, era logo misturada aos adultos.
A transmissão dos valores e dos conhecimentos, e de modo mais geral, a socialização da criança, não eram portanto nem asseguradas nem controladas pela família.
A passagem da criança pela família e pela sociedade era muito breve e muito insignificante para que tivesse tempo ou razão de forçar a memória e tocar a sensibilidade.
As pessoas se divertiam com a criança pequena como um animalzinho, um macaquinho impudico. A criança não chegava a sair de uma espécie de anonimato.
O sentimento entre os cônjuges, entre os pais e os filhos, não era necessário à existência nem ao equilíbrio da família. A s trocas afetivas e as comunicações sociais eram realizadas portanto fora da família, num “ meio” muito denso e quente, composto de vizinhos, amigos,amos e criados, criados, crianças e velhos, mulheres e homens, em que a inclinação se podia manifestar mais livremente.
A escola substituiu a aprendizagem como meio de educação. Isso quer dizer que a criança deixou de ser misturada aos adultos e de aprender a vida diretamente, através do contato com eles, a criança foi separada dos adultos e mantida à distância numa espécie de quarentena antes de ser solta no mundo, essa quarentena foi a escola.
“ A criança não é apenas o traje, as brincadeiras, a escola, nem mesmo o sentimento da infância [ ou seja, modalidades históricas, empiricamente perceptivas ]; ela é uma pessoa .
O colégio tornou-se então uma instituição essencial da sociedade: o colégio com um corpo docente separado, com uma disciplina rigorosa, com classes numerosas, em que se formariam todas as gerações instruídas do Ancien Regime. O colégio constituía, se não na realidade mais incontrolável da existência, ao menos na opinião mais racional dos educadores, pais, religiosos e magistrados, um grupo de idade maciço, que reunia alunos de oito-nove anos até mais de 15, submetidos a uma lei diferente da que governava os adultos.
Sem o colégio e suas células vivas, a burguesia não dispensaria às diferenças mínimas de idade de suas crianças a atenção que lhes demonstra, e partilharia nesse ponto da relativa indiferença das sociedades populares.
A nova disciplina se introduziria através da organização já moderna dos colégios e pedagogia com a série completa de classes em que o diretor e os mestres deixam de ser primi inter pares, para se tornarem depositários de uma autoridade superior. Seria o governo autoritário e hierarquizado dos colégios que permitiria, a partir do século xv, o estabelecimento e o desenvolvimento de um sistema disciplinar cada vez mais rigoroso. Em primeiro lugar, a disciplina humilhante- o chicote ao critério do mestre e a espionagem mútua em beneficio do mestre. Ao contrário, todas as crianças e jovens, qualquer que fosse sua condição, eram submetidos a um regime comum e eram igualmente surrados.

O relaxamento da antiga disciplina escolar correspondeu a uma nova orientação do sentimento da infância, que não mais se ligava ao sentimento da fraqueza e não mais reconhecia a necessidade de sua humilhação.Tratava-se agora de despertar na criança a responsabilidade do adulto, o sentido de sua dignidade. A criança era menos oposta ao adulto ( embora se distinguisse bastante dele na prática) do que preparada para a vida adulta.Essa preparação não se fazia de uma só vez, brutamente. Exigia cuidados e etapas, uma formação. Esta foi a nova concepção da educação, que triunfaria o século XIX.
Uma nova noção moral deveria distinguir a criança, ao menos a criança escolar, e separá-la : a noção da criança bem educada. A criança bem educada seria preservada das rudezas e da imoralidade, que se tornariam traços específicos das camadas populares e dos moleque.
E importante notar que os humanistas do Renascimento a compartilharam também com seus amigos os escolásticos tradicionais. Assim como os pedagogos da idade média, eles confundiram educação com cultura, e estenderam a educação a toda a duração da vida humana, sem dar valor privilegiando à infância ou a juventude, sem especializar a participação das idades.
Se a escolarização no século XVII ainda não era monopólio de uma classe, era sem dúvida o monopólio de um sexo. As mulheres eram excluídas.Além da aprendizagem doméstica, as meninas não recebiam por assim dizer nenhuma educação. As mulheres eram semi-analfabetas. Criou o hábito de enviar as meninas a conventos que não eram destinados à educação, onde elas acompanhavam os exercícios devotos e recebiam uma instrução exclusivamente religiosa.
A disciplina escolar teve origem na disciplina eclesiástica ou religiosa;ela era menos um instrumento de coerção do que de aperfeiçoamento moral e espiritual, e foi adotada por sua eficácia, porque era a condição necessária do trabalho em comum, mas também por seu valor intrínseco de edificação e ascese. Os educadores a adaptariam a um sistema de vigilância permanente das crianças, de dia e de noite, ao menos em teoria.
A diferença essencial entre a escola da Idade Média e o colégio dos tempos modernos reside na introdução da disciplina. Essa disciplina não se traduziria apenas por uma melhor vigilância interna, mas tenderia a impor às famílias o respeito pelo ciclo escolar integral.
O núcleo principal da população escolar era constituído família burguesas, de juristas e de eclesiásticos.
Teríamos até mesmo razão em perguntar se nesse ponto não houve uma regressão durante a primeira metade do século XIX, sob a influência da demanda de mão-de-obra infantil na indústria têxtil.

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